quarta-feira, 7 de junho de 2017

Com “pressa” na apresentação de tramas e personagens, “Pega Pega” atropela coerência

Marcelo Serrado (Malagueta), Júlio (Thiago Martins), João Baldasserini (Agnaldo) e Nanda Costa (Sandra Helena), destaques de “Pega Pega”

Nos últimos dias, a Globo se esforçou para desassociar sua nova novela das 19h, “Pega Pega”, do atual cenário político-corrupto que abriga esta intricada trama de poder e negociatas chamada Brasil. Da troca de título – antes “Pega Ladrão” – ao slogan com ares punitivo – “depois do roubo é que começa a roubada”. Bobagem. O folhetim que estreou nesta terça-feira (6) traz pequenas corrupções, e já “anuncia” o roubo de 40 milhões de dólares, pouco se comparado às casas decimais vistas no “Jornal Nacional”.

A impressão é que “Pega Pega” se preocupou com o contexto, mas não deu muita importância para a lógica. Afinal, com um primeiro capítulo irregular, a novela não conseguiu vender seus personagens como esperado, menos ainda as tramas que pretende contar. Como acreditar no pai zeloso Eric (Mateus Solano), empenhado em descobrir o paradeiro da filha que foge, sem que ninguém sabia o porquê, que, de repente, esquece de tudo ao cruzar com a jovem Luiza (Camila Queiroz)? Um telefonema para os investigados enquanto assistia a uma ópera com a pretendente não foi o suficiente para tornar a conduta do empresário coerente.

Soou forçada a ida ao IML para reconhecer um corpo que poderia ser de sua filha. E por falar na menina, Bebeth (Valentina Herszage) começou bem, fugindo do estereótipo da rebelde sem causa que questiona seu genitor endinheirado, mas não move uma palha para se livrar de suas amarras – como a Alice (Sophie Charlotte), dos primeiros capítulos de “Os Dias Eram Assim”. Se encalacrou na sequência, ao fugir na Kombi de Márcio (Jafar Bambirra) para, sem seguida, escapar do rapaz. Quando se viu sozinha, desandou a pedir socorro e a conversar com uma canguru que – olha a coincidência – trata-se de uma boneco da companhia de teatro de Borges (Danton Mello), pai de Márcio.

Com excessivo destaque a este núcleo, desinteressante neste primeiro momento, “Pega Pega” deixou de lado, durante boa parte do capítulo, justamente o que parece ter de melhor: o hotel Carioca Palace, seu dono à beira da falência e os empregados. Marcos Caruso, como Pedro William Guimarães, ensaia uma repetição do tipo vivido em “A Regra do Jogo” (2015), com mais charme. Já os funcionários arrasaram!

Se Eric e Luiza não demonstraram um pingo de química, em parte pelo contexto no qual foram inseridos, o mesmo não se pode dizer de Agnaldo (João Baldasserini) e Sandra Helena (Nanda Costa), muito mais “palatáveis” – ambos contratados de um mesmo estabelecimento, aparentemente às vésperas de fechar as portas. Júlio (Thiago Martins), “sozinho para cuidar de duas tias”, portador da má notícia aos colegas de trabalho, também merece atenção; é um rapaz com esperança de dias melhores e de que um romance, ainda platônico, vire realidade.

A eleita do garçom é a policial Antônia (Vanessa Giácomo), responsável por uma sequência de ação que abriu a trama, e que, com poucos desdobramentos, acabou soando gratuita. Vanessa, contudo, pareceu muito à vontade como a mocinha durona que amolece ao tomar conhecimento de uma possível viagem do irmão, Nelito (Rodrigo Fagundes), para o exterior.

Quatro atores merecem todos os elogios por estas primeiras cenas: Nicette Bruno e Cristina Pereira, como Elza e Prazeres, tias de Júlio. Marcelo Serrado como Malagueta, o concierge que ludibria turistas, em conluio com taxistas sacanas – o que deve gerar protestos da classe, tão politicamente correta. É ele o principal articular do roubo que deflagra a narrativa: o assalto ao Carioca Palace, adquirido por Eric das mãos de Pedrinho, sem a anuência de Luiza, namorada do primeiro e neta do segundo. Aliás, muito bem realizada a sequência que exemplificou os planos de Malagueta.

Na outra ponta da vilania, está Maria Pia, de Mariana Santos, estreando em novelas após anos de “Zorra”. A assessora pessoal que almeja levar o patrão para a cama é tragicômica – e a atriz segurou muitíssimo bem todos os momentos que lhe foram dados, de apoiadora de Eric à recalcada ao ver Luiza, até a cínica ao reencontrar a problemática Bebeth.

Ponto também para a abertura que fugiu da poluição visual de outros cartazes do horário, como “Totalmente Demais” (2015) e “Haja Coração” (2016). Ainda, as imagens de Foz do Iguaçu, tão pouco exploradas na teledramaturgia – só me recordo, de imediato, de “Vale Tudo” (1988), com a guia turística Raquel (Regina Duarte). Contudo, a ambientação só serviu mesmo de enfeite, sem efeito prática para a narrativa. Saldo final: a história de Cláudia Souto é boa. Talvez o foco, ao menos no primeiro capítulo, é que esteja errado.

por Duh Secco
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